Estratégias reais para driblar o TDAH
- Geisa Ponte
- 14 de jan.
- 3 min de leitura
Você pula da cama superempolgada para começar o dia e, de repente, esquece onde deixou o celular. Na metade do caminho para a cozinha, resolve abrir a geladeira e fica olhando para as prateleiras sem saber por quê. Dois minutos depois, você já está em outro assunto e nem lembra que ia fazer um café. Se essa cena parece familiar, talvez você também conviva com TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade) e se pegue pensando: “Será que só eu vivo esses picos de distração e impulsividade?”

A verdade é que muitas pessoas com TDAH sentem uma enxurrada de pensamentos na cabeça. Elas passam do “foco total” ao “desvio completo” num piscar de olhos. Às vezes, é aquela vontade de fazer mil coisas ao mesmo tempo e acabar não terminando nenhuma. Outras vezes, é esquecer a data de uma conta importante. E quem nunca se arrependeu de uma compra impulsiva?
Para a ciência, essas dificuldades têm explicações neurais. Pesquisas como as publicadas no Journal of Attention Disorders apontam que o córtex pré-frontal, responsável pela regulação de comportamentos e pela manutenção do foco, tende a operar de maneira distinta em pessoas com TDAH. Isso não quer dizer que somos incapazes de ajustar a rotina ou de criar estratégias que amenizem os “brancos” do dia a dia.
Mas não se trata de “falta de força de vontade”. No TDAH, a dificuldade de organizar e filtrar estímulos é bem real. Um simples lembrete no celular pode salvar o dia… mas pode também ser ignorado quando surge algo mais chamativo. Aquela mensagem de grupo, uma aba de internet aberta, o estalo de uma ideia que chegou do nada. O que era para ser prioridade passa para o fim da fila quase sem perceber.
Outro ponto comum é o esquecimento das pequenas (e às vezes grandes) tarefas. Pagar a conta de luz, devolver um livro, responder um e-mail que você jura ter respondido — mas descobriu, sem querer, que estava nos rascunhos. E que tal as áreas da impulsividade? Quem vive o TDAH entende que decidir “bora comer pizza às três da manhã” pode parecer algo absurdo para um colega, mas, no calor do momento, pareceu totalmente plausível.
Reconhecer esses desafios não é para desanimar. É para lembrar que você não está sozinho. Saber que tantas pessoas vivem as mesmas trapalhadas cotidianas ajuda a quebrar a sensação de isolamento. E, daí em diante, o foco é encontrar soluções criativas. Por exemplo, estabelecer alarmes com repetições diárias, colar lembretes em lugares estratégicos, organizar o ambiente para não perder documentos importantes. Ou buscar uma rede de apoio, seja num grupo terapêutico ou em sessões de terapia cognitivo-comportamental, conforme recomendado por estudos na Psychological Medicine.
Não significa transformar tudo do dia para a noite. Significa dar pequenos passos. Uma boa dica é fazer um “inventário” das suas distrações comuns: anotar cada vez que interromper uma tarefa para mexer no telefone, por exemplo. Perceber quando e como o TDAH se manifesta é um passo e tanto para criar estratégias práticas.
Tenha em mente que essa forma de operar a vida traz não só dificuldades, mas também potencial para muita criatividade e energia. Muitos adultos com TDAH encontram, com orientação adequada, formas de canalizar esse ritmo mental em projetos que amam. E isso, segundo publicações como Clinical Psychology Review, melhora a qualidade de vida e a autoestima.
Em resumo, se você se identifica com esse retrato — esquece as chaves, se atrapalha para cumprir metas, faz promessas de não repetir certas compras e depois cai em tentação — respire. Você não está isolado nesse cenário. A maioria das pessoas que descobrem o TDAH conta que se sente aliviada só de entender que há um fator neurológico por trás.
Ao compreender que essa condição não é preguiça nem falta de responsabilidade, o próximo passo é buscar caminhos para organizar o cotidiano. Pode ser algo simples como dividir a lista de tarefas em blocos curtos e usar timers para cada bloco. Ou então, recorrer a um profissional especializado para criar planos específicos de ação. Você escolhe a forma, mas sempre lembrando: há muita gente na mesma situação, e isso nos une no aprendizado de lidar com o TDAH de modo mais leve e eficiente.
Referências científicas (para leitura adicional):
Brown, T. E. (2013). A new understanding of ADHD in children and adults: Executive function impairments. Routledge.
Ramsay, J. R. & Rostain, A. L. (2015). CBT for adult ADHD: Adaptations and hypothesized mechanisms of change. Journal of Contemporary Psychotherapy, 45, 113–122.
Faraone, S. V., Asherson, P., Banaschewski, T., et al. (2015). Attention-deficit/hyperactivity disorder. Nature Reviews Disease Primers, 1, 15020.
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