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Como funciona o cérebro de uma pessoa com TDAH?

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, tanto crianças quanto adultos. Mas o que realmente acontece no cérebro de alguém com TDAH? Neste artigo, vamos explorar em detalhes as particularidades neurológicas do TDAH, explicando como elas afetam o comportamento e o processamento de informações. Utilizaremos analogias simples para facilitar a compreensão, tornando a ciência acessível a todos.


Uma orquestra desafinada


Imagine o cérebro como uma grande orquestra sinfônica. Cada músico representa uma região cerebral, e juntos eles tocam a sinfonia da nossa vida diária, incluindo pensamentos, emoções e ações. Em uma pessoa neurotípica, o maestro (córtex pré-frontal) consegue coordenar todos os músicos perfeitamente. No entanto, em uma pessoa com TDAH, esse maestro enfrenta desafios para sincronizar os músicos, resultando em uma sinfonia descompassada. Vamos entender por que isso acontece.


1. Os mensageiros químicos: Neurotransmissores

1.1. Dopamina: A moeda de recompensa do cérebro

A dopamina é um neurotransmissor fundamental no sistema de recompensa do cérebro. Pense nela como a moeda que o cérebro usa para dizer "bom trabalho" quando completamos uma tarefa.

  • No TDAH: A produção ou utilização de dopamina é menor. É como se o cérebro estivesse pagando menos pela mesma tarefa, tornando difícil sentir motivação para atividades que não proporcionam recompensa imediata.




Como isso afeta o comportamento?

  • Desmotivação: Tarefas rotineiras ou sem estímulo imediato se tornam desinteressantes.

  • Busca por Novidade: Há uma tendência a procurar atividades mais estimulantes ou arriscadas para compensar a baixa dopamina.


1.2. Noradrenalina: o alerta do sistema

A noradrenalina ajuda a regular a atenção, o alerta e a resposta ao estresse.

  • No TDAH: Os níveis de noradrenalina podem estar desequilibrados, dificultando a capacidade de manter o foco, especialmente em tarefas monótonas.


Impactos no dia a dia

  • Distração Fácil: Pequenos estímulos externos desviam a atenção.

  • Dificuldade em Completar Tarefas: A manutenção do foco é comprometida, levando a projetos inacabados.


1.3. Implicações gerais

  • Desafios na Motivação: Tarefas que não oferecem gratificação instantânea são mais difíceis de iniciar ou concluir.

  • Impulsividade: A busca por estímulos pode levar a ações precipitadas sem considerar as consequências.




2. Áreas do cérebro envolvidas

2.1. Córtex pré-frontal: o maestro

O córtex pré-frontal (CPF) é responsável por funções executivas, como planejamento, tomada de decisões, controle de impulsos e regulação emocional.

  • No TDAH: O CPF pode ter menor atividade ou desenvolvimento mais lento. Imagine um maestro que não consegue ouvir todos os instrumentos claramente, resultando em dificuldades para coordenar a orquestra.




Consequências comportamentais

  • Desorganização: Dificuldade em planejar e organizar atividades.

  • Impulsividade: Tomada de decisões precipitadas sem avaliar os riscos.


2.2. Gânglios da base: o controlador de tráfego

Os gânglios da base ajudam a regular o movimento e comportamentos habituais.

  • No TDAH: Funcionam como um sistema de semáforos desajustados, levando a problemas no controle motor e na regulação da atenção.


Manifestações práticas

  • Hiperatividade: Necessidade constante de movimento.

  • Tiques ou Movimentos Involuntários: Dificuldade em controlar movimentos sutis.


2.3. Cerebelo: o coordenador

O cerebelo coordena movimentos e está envolvido em algumas funções cognitivas.

  • No TDAH: Pode apresentar diferenças que afetam a coordenação e o processamento de informações temporais.


Efeitos Observáveis

  • Problemas de Equilíbrio e Coordenação: Dificuldades em atividades físicas que exigem precisão.

  • Gestão do Tempo Prejudicada: Percepção distorcida da passagem do tempo.


2.4. Sistema Límbico: O Centro Emocional

Responsável pelas emoções e formação de memórias.

  • No TDAH: Pode levar a respostas emocionais mais intensas ou dificuldades em regular emoções.


Impactos Emocionais

  • Oscilações de Humor: Mudanças rápidas de humor sem motivo aparente.

  • Frustração e Irritabilidade: Reações desproporcionais a situações cotidianas.


3. Funções Executivas: O Centro de Comando

As funções executivas são como um centro de controle que gerencia várias tarefas simultaneamente.


3.1. Memória de Trabalho

  • O que é: Capacidade de manter e manipular informações por curtos períodos.

  • Analogia: Um bloco de notas mental.

  • No TDAH: Esse bloco tem páginas faltando, dificultando lembrar instruções ou detalhes recentes.


Exemplos Práticos

  • Esquecimento de Instruções: Dificuldade em seguir etapas de um processo.

  • Perda de Objetos: Não lembrar onde deixou chaves, carteira, etc.


3.2. Controle Inibitório

  • O que é: Habilidade de resistir a impulsos e distrações.

  • Analogia: Um portão que controla o fluxo de informações.

  • No TDAH: O portão está enferrujado, permitindo que distrações interrompam o foco.


Consequências

  • Interrupções em Conversas: Falar sem esperar a vez.

  • Dificuldade em Esperar: Impaciência em filas ou aguardando por algo.


3.3. Flexibilidade Cognitiva

  • O que é: Capacidade de alternar entre tarefas ou pensar em múltiplos conceitos simultaneamente.

  • No TDAH: Pode haver rigidez, tornando difícil mudar de tarefa ou adaptar-se a novas situações.


Desafios Resultantes

  • Resistência a Mudanças: Dificuldade em adaptar-se a novas rotinas.

  • Perseveração em Erros: Continuar insistindo em uma abordagem que não funciona.


4. A Rede em Modo Padrão: A Mente Divagante

A rede em modo padrão é ativada quando estamos em repouso mental, permitindo devaneios e reflexões internas.

  • No TDAH: Essa rede pode se ativar mesmo durante tarefas que exigem atenção, como se a mente entrasse em "piloto automático" na hora errada.


4.1. Impacto no Cotidiano

  • Dificuldade em Manter a Atenção: A mente vagueia facilmente, mesmo em atividades importantes como reuniões ou aulas.

  • Perda do Fio da Meada: Esquecer o que estava fazendo ou dizendo.


4.2. Estratégias de Gerenciamento

  • Anotações Frequentes: Registrar pensamentos para manter o foco.

  • Intervalos Regulares: Pausas podem ajudar a reiniciar o foco.


5. Processamento de Recompensa: A Busca por Estímulos

Pessoas com TDAH frequentemente buscam recompensas imediatas devido à menor atividade no sistema de recompensa.


5.1. Procrastinação

  • Analogia: Preferir comer um doce agora a esperar pelo jantar saudável mais tarde.

  • No TDAH: Tarefas que não oferecem gratificação imediata são adiadas em favor de atividades mais prazerosas no momento.


Impacto

  • Acúmulo de Tarefas: Procrastinação leva ao estresse e sensação de sobrecarga.

  • Desempenho Afetado: Prazos perdidos ou qualidade inferior do trabalho.


5.2. Comportamentos de Risco

  • Busca por Estímulos Fortes: Pode levar a atividades arriscadas para obter a estimulação desejada, como esportes radicais ou impulsividade financeira.


Consequências

  • Perigos Físicos: Aumento do risco de acidentes.

  • Problemas Financeiros: Gastos impulsivos sem planejamento.


6. Plasticidade Neural: O Potencial de Mudança

Apesar dos desafios, o cérebro é capaz de se adaptar e mudar ao longo do tempo.


6.1. Intervenções Terapêuticas

  • Medicação: Pode ajudar a regular os níveis de neurotransmissores, melhorando a atenção e o controle de impulsos.

    • Estimulantes: Como metilfenidato (Ritalina), aumentam dopamina e noradrenalina.

    • Não Estimulantes: Como atomoxetina (Strattera), atuam de forma diferente nos neurotransmissores.

  • Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): Auxilia no desenvolvimento de estratégias para lidar com os sintomas, modificando padrões de pensamento e comportamento.

  • Atividades Físicas: O exercício regular pode melhorar a função cerebral, reduzindo sintomas e melhorando o humor.


6.2. Estratégias Práticas

  • Rotinas Estruturadas: Criar horários fixos para atividades ajuda a estabelecer hábitos.

  • Dividir Tarefas em Etapas Menores: Facilita o início e conclusão de tarefas complexas.

  • Uso de Ferramentas de Organização: Aplicativos, calendários e alarmes auxiliam na gestão do tempo e lembrança de compromissos.

  • Ambiente Livre de Distrações: Reduzir estímulos externos durante tarefas que exigem concentração.


7. O Impacto Emocional e Social

7.1. Autoestima e Percepção

  • Desafios Diários: Frustrações constantes podem afetar a autoestima, levando a sentimentos de inadequação.

  • Mal-entendidos: Comportamentos podem ser interpretados como desinteresse, preguiça ou irresponsabilidade por aqueles que não compreendem o TDAH.


7.2. Importância do Apoio

  • Compreensão Familiar e Social: Uma rede de apoio pode fazer a diferença no manejo do TDAH, oferecendo encorajamento e suporte emocional.

  • Educação e Conscientização: Informar-se sobre o TDAH ajuda a reduzir estigmas e promover empatia.

  • Grupos de Apoio: Compartilhar experiências com outros pode ser reconfortante e oferecer novas estratégias.


8. Mitos e Verdades sobre o TDAH


8.1. "O TDAH não existe, é falta de disciplina"

  • Verdade: O TDAH é reconhecido por órgãos de saúde internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Associação Americana de Psiquiatria (APA), e possui bases neurobiológicas comprovadas.


8.2. "A medicação deixa a pessoa 'dopada'"

  • Verdade: Quando prescrita corretamente, a medicação ajuda a regular funções cerebrais, melhorando a atenção e o controle de impulsos sem alterar a personalidade ou sedar o indivíduo.


8.3. "Só crianças têm TDAH"

  • Verdade: O TDAH pode persistir na idade adulta. Embora os sintomas possam se manifestar de forma diferente, adultos também enfrentam desafios significativos.


8.4. "Pessoas com TDAH não podem ter sucesso"

  • Verdade: Com estratégias adequadas e suporte, muitas pessoas com TDAH alcançam grande sucesso em diversas áreas, aproveitando características como criatividade e hiperfoco em assuntos de interesse.


9. Histórias de Superação

Muitas pessoas com TDAH alcançaram sucesso em diversas áreas, usando sua criatividade e energia a seu favor.

  • Exemplos Notáveis:

    • Michael Phelps: Nadador olímpico com recorde de medalhas, usou a disciplina do esporte para canalizar sua energia.

    • Simone Biles: Ginasta reconhecida mundialmente, destacou-se apesar dos desafios do TDAH.

    • Will Smith: Ator e músico que atribui parte de sua criatividade e energia ao TDAH.


Conclusão: Abraçando as Diferenças

Compreender como o cérebro de uma pessoa com TDAH funciona é fundamental para promover a empatia e desenvolver estratégias eficazes de apoio. Assim como cada orquestra tem seu próprio ritmo e estilo, cada cérebro é único. Com o suporte adequado, as pessoas com TDAH podem transformar seus desafios em pontos fortes, contribuindo de maneira significativa para a sociedade.

É essencial reconhecer que o TDAH não define a totalidade do indivíduo. Com autoconhecimento, tratamento adequado e apoio, é possível levar uma vida plena e satisfatória.


Referências

  1. American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5th ed.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing.

  2. Volkow, N. D., et al. (2009). Evaluating dopamine reward pathway in ADHD: clinical implications. JAMA, 302(10), 1084-1091.

  3. Shaw, P., et al. (2007). Attention-deficit/hyperactivity disorder is characterized by a delay in cortical maturation. Proceedings of the National Academy of Sciences, 104(49), 19649-19654.

  4. Rubia, K. (2018). Cognitive neuroscience of attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) and its clinical translation. Frontiers in Human Neuroscience, 12, 100.

  5. Barkley, R. A. (2015). Attention-Deficit Hyperactivity Disorder: A Handbook for Diagnosis and Treatment. Guilford Publications.

  6. Faraone, S. V., et al. (2015). Attention-deficit/hyperactivity disorder. Nature Reviews Disease Primers, 1, 15020.


Aviso: Este artigo tem fins informativos e visa promover a compreensão sobre o TDAH. Ele não substitui a consulta a um profissional de saúde. Se você ou alguém que conhece apresenta sintomas de TDAH, procure orientação médica especializada.

 
 
 

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